Poderíamos talvez dizer que é a partir de um tema que este conjunto de quadros de Flor Campino se constitui. Tal tema seria a brancura, o enrugamento, o relevo. ...Trata-se de um universo que se diria quase invisível se não fosse a circunstância de tomarmos consciência de a realização de tal tema implicar técnicas especiais, uma actuação sobre materiais – neste caso, o papel –, o exercício de ripar ou de obter relevos através do gaufrage, a colagem, os recortes. É a partir desta actuação, a qual fica a oscilar entre o desenho e uma espécie de escultura, que os quadros ganham uma outra dimensão ou, se se preferir, um outro volume que fica repartido entre uma dupla presença, a do objecto – aqui, por vezes, configurado sob a forma de um envelope entreaberto que se transforma em receptáculo e, ao mesmo tempo, num lugar da perda – e a metáfora. Que metáfora? Em primeiro lugar a da geometria, visto que os fragmentos de papel ordenam-se a partir de uma multiplicidade de direcções, de ângulos, de vértices. Em segundo lugar a da revelação de ambíguas presenças ou realidades que a nossa imaginação cria. Assim podemos entrever nas múltiplas direcções das tiras de papel um leque ainda abstracto, mas que representa um elemento que é o ar. Podemos também descobrir no papel ripado a existência de ondas numa praia, o que representa um outro elemento, a água. Há aqui, como diria Gaston Bachelard, uma poética da matéria. Que ela nasça assim com tanta nitidez, tanta simplicidade e tanto rigor revela bem como a criação nas artes plásticas confina, afinal, com a poesia.